quarta-feira, março 16, 2011

"-Nada disso interessa - exclamou, naquela voz suave e culta inglesa. - Que se passa? - Tão gentil como se fosse eu que precisasse de ser confortado. - Não é o que queria?
- Oh sim, sem a menor dúvida que sim. Mas você tem de estar seguro de querer - sublinhei, e só nesse instante me virei.
Ele estava de pé nas sombras, composto no seu fato elegante de linho branco, com a gravata de seda clara bem apertada no pescoço. A luz da rua brilhava-lhe directamente nos olhos e, por um instante, no pequeno botão de ouro da gravata.
- Não consigo explicar - murmurei. - Aconteceu tão depressa, tão de repente, quando estava certo de que nunca sucederia. Tenho medo por si. Medo de que esteja a fazer um erro terrível.
- Eu quero - exclamou, mas a voz estava tão tensa, tão escura, sem aquela nota lírica alegre. - Desejo-o mais do que pode imaginar. Faça-o agora, por favor. Não prolongue a minha agonia. Venha a mim. Que posso fazer para o convidar? Para o tranquilizar? Oh, tive muito mais tempo do que imagina para pensar nesta decisão. Lembre-se de há quanto tempo conheço todos os seus segredos, tudo acerca de si.
Como o seu rosto parecia estranho, os olhos duros e a boca tão amarga e rígida.
- David, algo está errado - exclamei. - Sei que está. Ouça-me. Vamos conversar. Provavelmente, será a conversa mais crucial que teremos. Que aconteceu para que você quisesse? Que foi? O nosso tempo juntos na ilha? Diga-me. Eu preciso de entender.
- Está a perder tempo, Lestat.
- Oh, mas para isto precisamos de tempo David, e é o último momento que realmente interessa."



Excerto de A História do Ladrão do Corpo, de Anne Rice

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