sexta-feira, março 25, 2011

"O dia não estava a ser propriamente famoso. Não, longe disso. Tinha a consciência pesada, e a cabeça doía mais que o normal devido aos problemas de sono.
Mas devagar lá ia. O truque era mergulhar no trabalho até não conseguir pensar em mais nada, mas até o trabalho estava parado nesse dia.
Por isso fazia o que podia para não pensar demais, para não entrar em pânico e fazer ou dizer algo que me viria a arrepender até ao fim dos meus dias.
O dia estava quase no fim quando aconteceu.
Era apenas mais uma parte da rotina de todos dias, até aparecer alguém que não fazia parte da rotina.
Fiquei imensamente feliz, era uma das pessoas que eu mais gostava neste mundo.
Vieram os beijinhos, os abracinhos, os risinhos, os 'que tens feito?', os 'como vai a vida?' e então surgiu o que eu não queria.
'Como vai ela?'
Engoli em seco, respirei fundo e desejei desaparecer.
'Tenho-a visto no Facebook e só me pergunto o que lhe aconteceu, o que vos aconteceu.'
Esbocei o meu melhor sorriso, respirei novamente e pestanejei, não ia começar a chorar agora.
Respondi que sabia tanto quanto ela, apenas o que via no malfadado Facebook e nada mais.
'É uma pena, vocês eram tão unidas'.
Só pensei como aquilo era difícil, como me apetecia desaparecer, como desejava agora não a ter encontrado, não num dia como o de hoje.
'No fundo é como se ela se tivesse tornado noutra pessoa, já nada existe que lembre o que ela era, como ela era.'
Acenei afirmativamente, como se eu não soubesse tudo aquilo. Como se não soubesse que a minha melhor amiga tinha desaparecido algures no processo de transformação da adolescência. Como se eu não soubesse que a pessoa que eu amava para lá do horizonte já não existia, que já nada nos ligava.
Como se eu não soubesse que nunca a recuperaria e que isso deixou em mim um buraco maior que qualquer desilusão amorosa poderia deixar.
Sim, como se eu não soubesse.
Sorri novamente, amaldiçoando o dia que nunca mais acabava.
'É uma pena. Mas é bom ver que ao menos tu continuas a mesma.'
Acho que nunca me custou tanto respirar como naquele momento. Nunca a minha garganta esteve tão seca. O meu sorriso era amarelo e ela percebeu. Deu-me um abraço forte, pediu desculpa por ter perguntado e que gostaria de me ver mais vezes.
Respondi que devíamos combinar um café, um dia, quando tivéssemos tempo.
Ambas sabíamos que não haveria nenhum café, mas eram as regras da boa educação.
Mais um beijo, mais um abraço e cada uma seguiu o seu caminho.
Quando entrei no carro, respirei fundo, até cada célula do meu corpo ter oxigénio renovado. Ergui a cabeça, esqueci este encontro e segui em frente."

*Ari

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